Zelar pelos interesses coletivos e guardar as áreas comuns trata-se de questão de saúde pública e proteção à vida, portanto, não passíveis de deliberação de assembleia, dado o caráter obrigatório das determinações do poder público.

Desde o início da pandemia provocada pelo Covid-19 que os síndicos passaram a enfrentar o dilema de fechar ou não as áreas de lazer nos condomínios. Piscinas, academias e salões de festas foram os mais atingidos. A principal dúvida era se ele teria ou não poderes de interditar essas áreas, já que muitos alegavam ou o direito de ir e vir ou então, o de propriedade.

A questão era ímpar. Jamais qualquer das gerações ainda ativas tinham vivido tal situação. Nunca tínhamos passado por problema de saúde tão grave e letal ao ponto de ter que fechar tudo e quase todos.

Em meio a tanta dúvida, sequer os profissionais do direito (os advogados) especializados em rotinas condominiais possuíam segurança suficiente para garantir um parecer embasado. Era tudo novo, surgia o tal do “novo normal”, quem não se lembra dessa expressão?

Pois bem, uma vez havendo a necessidade de se tomar uma decisão ou correr o risco de responder por omissão (por não ter tomado decisão alguma), os síndicos se viram numa situação jamais vivenciada, a de ter que limitar ou até impedir o uso das áreas de lazer, principalmente no momento em que a grande maioria dos moradores estavam sem sair de casa, onde os pais em “homeoffice”, os filhos sem irem para a escola, as cidades com tudo praticamente fechado, a saída não estava sendo outra, senão a de buscar algum lazer no próprio condomínio. Esse era o quadro nos primeiros meses de 2020 e que em alguns condomínios, mesmo que em menor quantidade, ainda persiste, afinal, a pandemia ainda é muito forte.

Mas a situação exigia a tomada de decisões. Não me excluo do “rol” de advogados que não sabiam o que aconselhar, não haviam precedentes, como dito, tudo era novidade, mas que teria que se tomar uma decisão, teria sim, e era urgente. Os síndicos tinham e têm, entre muitas outras atribuições, a de preservar as vidas dentro de seus condomínios e uma das medidas incluía a de não permitir aglomerações.

Diante disso, medidas como o fechamento ou restrição de acesso às áreas de uso coletivo, principalmente aquelas de grande circulação, teriam que ser tomadas, mesmo com o entendimento de alguns quanto aos direitos de ir e vir e o de propriedade. Nesse sentido, nossa orientação à época foi o de que a vida, ou a preservação dela, se sobressaia sobre qualquer outro “direito”. E assim passamos a orientar nossos clientes síndicos.

Não que estávamos desconhecendo o direito de propriedade ou até o de ir e vir, já que, em épocas normais, eventuais medidas que imponham restrição ao direito de propriedade deveriam ser submetidas à deliberação em assembleias condominiais e necessitaria de alteração na Convenção de Condomínio. Não tenho dúvida que era consenso entre os colegas advogados.

Mas, longe da normalidade, a situação trouxe a necessidade de decisões urgentes e polêmicas. Interditar as áreas de lazer era necessário sob o risco de torna-las foco de proliferação. A ordem era todo mundo em casa e a rua só para os que tinham atividades essenciais.

Mas, e qual seria a segurança jurídica para que os síndicos pudessem interditar as áreas até então de uso normal dos moradores? A convenção daria esse poder? Que lei embasar a decisão?

Na busca da resposta, lembro que não existia lei que tratasse especificamente do assunto, a dificuldade era tanta que a dúvida só aumentava, apesar de que tínhamos a posição de que os síndicos tinham sim que fechar ou limitar ao máximo o uso das áreas que propiciasse aglomeração, só faltava o embasamento jurídico, para que não trouxesse problemas aos síndicos, afinal, sabíamos que alguma demanda judicial viria e o alegado “dano moral” poderia penalizar os síndicos, já que não muito raros eram os moradores que tinham tal decisão como polêmica, antipática, anticonstitucional, arbitrária e por fim ilegal. Esses foram os principais adjetivos dispensados aos síndicos (quase que todos) que tomaram a decisão de fechar tudo.

Diante da pressa que o caso exigia e sem tempo para um estudo buscamos no código civil e mais precisamente no artigo 1.348, a proteção jurídica. É que este artigo trata da competência do síndico, que apesar de não lhe dar diretamente o direito de interditar as áreas, como era o caso, lhe trazia, por analogia, a competência de tomar decisões com vistas a garantir a segurança dentro dos condomínios. E esse foi o embasamento que nos encorajou a orientar os síndicos que eles não só poderiam como deveriam interditar ou limitar o uso das áreas de lazer, mesmo que tal decisão viesse a confundir o entendimento de desrespeito ao direito de ir e vir e o da propriedade.

Art. 1.348. Compete ao síndico:

II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;

Pois bem, apesar dos síndicos assistidos por nosso escritório não terem sofrido qualquer demanda judicial, o caso foi parar nos tribunais, onde, em julho último, por decisão colegiada da 36ª Câmara de Direito Privado do TJSP, chegou-se ao entendimento de que a decisão do síndico em restringir o uso , além de não se tratar propriamente de uma limitação ao direito de propriedade, mas de uma mitigação temporária. A decisão foi quanto a pedido de um morador para anular uma regra que restringiu o acesso de visitantes em áreas comuns de um condomínio durante a crise da Covid-19, onde os autores alegaram que o síndico tomou a decisão sem ter sido em assembleia.

Não tendo sido esse o entendimento do relator do processo, o Desembargador Walter Exner, este entendeu que não era o caso de consulta à assembleia, pois as normas de restrição foram impostas pelo próprio Poder Público em razão da pandemia. Segundo ele, não houve limitação ao direito de propriedade, mas apenas uma proibição temporária em relação aos convidados nas áreas de lazer.

“Não se desconhece que, em condições normais, eventuais medidas que imponham restrição ao direito de propriedade devem ser submetidas à deliberação em assembleias condominiais e necessitam de alteração na convenção de condomínio. Porém a condição excepcional de pandemia demanda a tomada de ações rápidas e em consonância com decretos estaduais e municipais”, disse.
Neste cenário, afirmou Exner, compete ao síndico, observada a realidade do condomínio que administra, providenciar medidas que visem à diminuição do perigo de contágio e disseminação do vírus dentro do ambiente condominial, de forma a proteger não apenas os condôminos, mas também seus colaboradores.

“Além disso, deve o síndico observar as normas de restrição impostas pelo Poder Público, sob risco de cometer infração de medidas sanitárias preventivas, nos termos do artigo 268 do Código Penal”, completou o desembargador. A decisão se deu por unanimidade.

Portanto, 1 ano e 4 meses após nosso entendimento, concluímos que sempre estivemos no caminho certo.

Por Inaldo Dantas
Advogado e Administrador de Condomínio

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